domingo, 2 de dezembro de 2012

Banquete

As vezes sinto a chibata
Ela vem de onde menos se espera
Da língua ferina – o sarcasmo, o escárnio
Dos lugares ocultos, em hora errada
 E a vista de todos, na cidade
As vezes sou a chibata
Que zune e fere o outro

A chibata fere a carne
Dor de ser, sem confirmação
A dor de construir humano em mim, refletida no olho do outro
Estranheza, solidão, de perto

Sou desse jeito, nem pra mais, nem menos
Vital, sanguínea, animal
Devoro a presa, enterro os ossos
Lambo os beiços, koitxanaré...

Não dou o que não tenho
honro minha jornada
e morro pelo que acredito

Entendo educação de outra maneira
Na essência do viver
não pego carona
Só sei, se vivo.

Pé de moleque, amendoim, paçoca
Doces feitos do machucar, pisar no pilão
Ambrosia, doce do talhar o leite com laranja,
Estragar, quebrar, tirar o cerne, desgrudar
Ferver, fogo baixo, tempo que baste

Assim seja:
Vaidades vãs, quebrantai!
Discursos ocos, fervei até concentrar!
É o doce milagre dos restos, o que trago
E o banquete está servido,

Tenho nódoa na alma
Ainda assim me levanto
Todos os dias,
 junto o arco, a flecha,
 a colher de pau
 a chave do carro

E dirijo, sem permissão,
ao terreno do meu embate
E falo até a voz sumir, e danço
E conto as históri
as de minha gente
Cultura é pra mode curar!

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

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"No coração da mata, gente quer prosseguir
Quer durar, quer brilhar, gente quer luzir..."

IPTU,IPVA,
PASEP,FGTS,
as siglas que dão,
as siglas que tomam

DNTOE, DPVAT,
as impronunciáveis
siglas do poder

CP, CA, AD, PEB,
BATMAN, ROBIN,
manto de invisibilidade
sobre pessoas de verdade

o que mais me espanta
não é a infinita capacidade de criá-las
mas a rapidez
com que nos apegamos a elas

rei, capitão,
soldado, ladrão,
moço bonito
do meu coração

As siglas são ocas
e nem rimam.

Mestre Caetano Veloso escreveu a frase inicial na música Gente. A foto é minha, sobre trabalho de um aluno de 4 anos. Salve, ano novo!

terça-feira, 3 de maio de 2011

Púrpura


Gosto de escrever sobre comida
talvez porque goste muito de cozinhar
mais do que de comer, até
Acredito que dar de comer
é um ato sagrado
Assim, alimentos não são
simples ingredientes
O pão, por exemplo, tem alma!
temperos são sensíveis,
sementes guardam o sol dentro delas,
frutas são pura alegria...
tem coisa mais infantil
do que se lambuzar de manga coquinho?

A jaboticaba é uma festa: "ploct, pluct, nhoc"
fruta impossível de linda
primeiro a árvore, que se demora em crescer
"A gente planta para os netos", dizem os mais velhos
Depois de muitos anos de regas abundantes,
no tempo certo, vem a fulorada:
miúdas, branquinhas, delicadas,
muitas, centenas de flores, grudadas direto no tronco...
um dia são carocinhos... no outro dia
nem o vestido da princesa era mais lindo!

Quando as flores se vão, o miolo fica, sequinho,
embaixo dele, vai se inchando o fruto verde
até ficar tal bola de gude
e vai rajando, rajando de lilás,
lindo, lilás e verde, escurecendo
madurecendo... roxo!
Mas que vai ficando escuro,
púrpura, quase, quase que preto
em demora de adoçar o que tem dentro...
Daí é uma festa de verdade,
depois de casamento, a lambança:
que é de comer e se regalar,
com o perdão da fulerage...

E as cascas, o que faz co'elas?
ração pros porcos, se tiver os tais,
Se não, e bem melhor aproveitada,
lava bem numa peneira
despeja num tacho,
açúcar, um tanto que dê, sobre as cascas
cravo e pau de canela, se tiver,
e ferve que ferve...
sai uma geléia tão boa
artes daquela fibra
que fica pegada na casca
e com o calor, despega...
mistura com o roxo do lado de fora
cor que desgruda também
e deixa a gente com o gosto
da frutinha por mais tempo

Pra fulerage ficar melhor
só botando cachaça,
depois coar num pano virgem
e ir esconder em lugar escuro,
bem arrolhada, durante 30 dias...

Licor de jaboticaba, já provou?

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sunflower


Ano passado, distribuí sementes de girassol
Não o tipo comum de girassóis
Eram os "girassóis de Van Gogh"
sementes miudinhas, claras e sem listras
que dão origem aos girassóis gordos, gigantes,
como nos quadros do mestre...

Fiquei feliz em ver o resultado:
as flores, os sorrisos, a felicidade de quem plantou e viu nascer.
Plantar girassóis tem ciência, como tudo:
se colocar muito fundo, apodrecem as sementes,
se muito à flor da terra, os pássaros as comem.
Aprendi isso com Dona Geralda...
"Viver é muito perigoso", já dizia outro mestre.

Uma ocasião meu avô S'Antônio,
cansado de ver um terreninho seu invadido,
roubadas as mandiocas e batatas doce tão docemente plantadas,
semeou uma roça inteira de girassóis... pra que?
Pra nada... só pra olhar aquela lindeza... dar "pasto pros óio"
e pra alimentar passarim, que eles adoram!
A coisa mais linda do mundo foi o avô orgulhoso
levando toda a família pra passear no campo em flor.

Hoje olho outras sementes de girassol,
milhões de sementes,
representando a sobrevivência física
e espiritual de um povo
na visão de um artista chinês.
Ai Wei Wei foi preso
está desaparecido,
sua casa foi revirada,
seu nome foi difamado.
As acusações são tolas
mas seus algozes são cruéis...

Temos visto tantas vidas em perigo,
aqui, lá, em toda parte...
Que os girassóis da vida
possam nos alimentar!

quinta-feira, 24 de março de 2011

Dança


Sentido não há
no existir
portanto
buscamos sentido
em tudo o que vemos
tocamos, sentimos,
fazemos...
Sentido não há
não faz sentido:
viver, morrer,
existirem galhos, pedras
amebas e mosquitos
e no entanto, seguimos
O sangue bombeia
a mente não dá trégua
meditamos a pulso
tentando pacificar
o turbilhão
Inventamos redes, rodas,
molduras, escadas
e outros meros objetos
que nos distraem da morte
prosseguimos
Viajamos para nos distrair
levando a lembrança
de nós mesmos
e não descansamos
Enfiamos contas num cordel
somando ganhos, descontando perdas
mas o fio acaba...
Num lance de dados
ou na escadaria,
no atropelamento,
de dia, no jantar,
no barco, na marquise,
acaba simplesmente
Apesar dos filhos,
das árvores e dos livros.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Língua


Escolher entre a cruz e a espada...
tão contida
que a voz não sai
ou tão maluca
que máscaras caem...
escolho o risco!
Arriscar-se de verdade
é saltar do alto
bem sei
sem rede de proteção
Soltar os bichos,
a palavra,
baiana rodando sem parar
como os dervixes
e a porta bandeira...
Aumentar o volume
na canção,
ciente, presente.
Soltar o breque de mão
aproveitando a descida.
Dançar o frevo na ladeira,
engrossando a panturrilha...
De vez em quando
a timidez é um acessório ultrapassado.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mulé rendera


Sigo perseguindo tramas,
conflitos,
revivendo dramas
ancestrais

Colecionando loas
e coletando dados
De mãos dadas
Fé e racionalidade

Razão que não embota
a emoção que vaza
Brota, como a rosa amarela
e seu calor

Emana, suave como a pétala,
bruta como o espinho
Dói, rasga a pele,
mas é antídoto do próprio corte

Entre o comum e o diferente
quero os dois...
Links e laces,
retiro e multidão

Gemini ser e sentir,
sempre na contramão...
Alheio a tudo - o copo, o movimento,
o Tempo escorre, definitivo.